Para mim, Deleuze e Guattari é poesia e ciência, tudo ao mesmo tempo, na máxima potência. Como nos bons e velhos tempos antes de separarem o mitos do logos e essas coisas todas. Na minha opinião, o que garante o bom funcionamento da máquina literária D&G é a busca daquele arrepio que se tem quando se lê algo que muda a vida. É a abertura para um devir, uma individuação conjunta escritor-livro-leitor. Nada é garantido. Sempre haverão frases que podem colocar tudo a perder. Essa é a aventura e a beleza. Não é um sistema. Não fecha. Há sempre um resto, um excesso, algo que escapa e que garante a continuação. Estamos sempre no meio, nunca no começo e nem no fim.
Sobre o socius, eu prefiro pensar segundo a formula deleuze-guattariana de que só existem duas coisas: o desejo e o socius. O desejo é o que pulsa e produz (corte e fluxo, máquinas desejantes, formação=funcionamento), espécie de élan vital bergsoniano (ou o id freudiano). O socius é o que regula, desvia, contabiliza etc (codificação, sobrecodificação, axiomatização). Desejo é produção e socius é relação. Coração (repetição) e cérebro (diferença). Assim, o socius não seria “algo” substantivo, mas sim uma certa configuração mais ou menos estável de algo que tem mais o estatuto de um movimento do que de um movente (não é algo, mas sim algo que se faz com algo; socius como movimento de associação).
Eu frequentemente uso o hífen para especificar o devir ao qual estou me referindo (devir-isso, ou devir-aquilo), mas acho importante nunca dar mais atenção ao lado direito da expressão do que ao seu lado esquerdo. É o devir que importa, e não aquilo que se devém (este último é mais propriamente o fim do devir, seu esgotamento). Além disso, já fui criticado (corretamente) por ter usado a expressão “devir-branco” para me referir aos índios que estavam usando as tecnologias modernas para fazer valer seus interesses na sociedade capitalista contemporânea. O problema é que o devir é sempre um devir minoritário, nunca majoritário. Existem devir-mulher e devir-criança, mas não devir-homem e devir-adulto. Assim, devir-índio até poderia haver, mas não devir-branco. Nada disso é certeza, pois o devir não obedece às leis. Mas eu tendo a achar estranho qualquer devir majoritário, como um devir-ciência por exemplo. Aliás, eu prefiro atualmente usar o devir intransitivamente. É devir e pronto. Mas isso tudo é questão em aberto para mim.